quinta-feira, 1 de abril de 2010

Uma certa Aracy...


Aracy de Carvalho Guimarães Rosa

Ela era paranaense e foi morar com uma tia na Alemanha, após a sua separação matrimonial.
Por dominar o idioma alemão, o inglês e o francês, fácil lhe foram conseguir uma nomeação para o consulado brasileiro em Hamburgo.

Acabou sendo encarregada da seção de vistos. No ano de 1938, entrou em vigor, no Brasil, a célebre circular secreta 1.127, que restringia a entrada de judeus no país. É aí que se revela o coração humanitário de Aracy. Ela resolveu ignorar a circular que proibia a concessão de vistos a judeus. Por sua conta e risco, à revelia das ordens do Itamaraty, continuou a preparar os processos de vistos a judeus.

Como despachava com o cônsul geral, ela colocava os vistos entre a papelada para as assinaturas. Quantas vidas terão salvado das garras nazistas? Quantos descendentes de judeus andarão pelo nosso país, na atualidade, desconhecedores de que deve sua vida a essa extraordinária mulher?

Cônsul adjunto à época, seu futuro segundo marido, João Guimarães Rosa, não era responsável pelos vistos. Mas sabia o que ela fazia e a apoiava.

Em Israel, no Museu do Holocausto, há uma placa em homenagem a essa excepcional brasileira. Fica no bosque que tem o nome de Jardim dos justos entre as nações. O nome dela consta da relação de 18 diplomatas que ajudaram a salvar judeus, durante a Segunda Guerra. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa é a única mulher nesta lista. Mas seu denodo, sua coragem não pararam aí.

Na vigência do infausto AI 5, já no Brasil, numa reunião de intelectuais e artistas, ela soube que um compositor era procurado pela ditadura militar. Dispôs-se a ajudá-lo, dando abrigo, além dele, a outros perseguidos pela ditadura. Com muita coragem, diga-se de passagem.
Reservada, Aracy enviuvou em 1967 e jamais voltou a se casar. Recusou-se a viver da glória de ter sido a mulher de um dos maiores escritores de todos os tempos. Em verdade, ela tem suas próprias realizações para celebrar. Hoje, aos 99 anos, pouco se recorda desse passado, cheio de coragem, aventura, determinação, romance, literatura e solidariedade.

Mas a sua história, os seus feitos merecem ser lidos por todos, ensinados nas escolas. Nossas crianças, os cidadãos do Brasil necessitam de tais modelos para os dias que vivemos.
Aracy desafiou o nazismo, o Estado Novo de Getúlio Vargas e a Ditadura Militar dos anos 60.

Uma mulher que merece nossas homenagens. Uma brasileira de valor. Uma verdadeira cidadã do mundo.
Uma mulher fascinante, corajosa, moderna, humanista, que lutou contra tudo o que é de mais perverso e castrador, o Nazismo na Alemanha, a Ditadura no Brasil, com raça e destemor, uma mulher que deveria ter seu nome entre os "heróis" dos nossos livros de História, e até mesmo (por que não?) figurar como nome de rua ou de escolas, esta mulher quando é lembrada, é citada apenas como a esposa do grande escritor Guimarães Rosa.

Como denominar tal "ato-falho"? Machismo descarado! Ou alguém teria outra teoria para esse tão dissimulado esquecimento.

Faço um pedido a homens e mulheres, com senso de justiça para divulgar esse fato aos mais novos a fim de que essa história tão bonita não acabe navegando pelo mar do esquecimento.


*Texto inspirado no artigo Aracy, publicado na Revista Gol (de bordo), de agosto 2007. JL.

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