quarta-feira, 12 de maio de 2010

INSTANTES - Jorge Luiz Borges.


INSTANTES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,

na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser perfeito; relaxaria mais.

Seria mais tolo do que tenho sido; na verdade,

bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,

subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a lugares onde nunca fui,

tomaria mais sorvetes e menos lentilhas,

teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente

cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria.

Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente
bons momentos.

Porque, se não sabes, disso é feita a vida, só de momentos,

não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro,

uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;

se eu voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço

no começo da primavera, e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres

e brincaria com mais crianças,

se tivesse outra vida pela frente.

Mas vejam, tenho 85 anos

e sei que estou morrendo...
 JORGE LUIZ BORGES, 1986, Suíça.

“ser imortal é insignificante; exceto o homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte”.

*Jorge Luis Borges era um exímio contador de parábolas. Tudo que via, ouvia ou lia ele decodificava em símbolos e histórias como uma alegoria do fugidio. Mesmo absorto na sondagem metafísica, sempre transpôs as abstrações para a realidade. 
*Lindo esse poema...!!! JL.

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