“Nunca imaginei que uma brincadeira daria nisso!
Acompanhei o início do fogo que veio das faíscas do sparkles e se propagou pelo
teto nas esponjas do isolamento acústico.
Não me apavorei porque não achei que poderia lidar com a situação, mas vi muita
gente entrar em pânico, cair e desmaiar umas por cima das outros, era um mar de
gente atirada. Vi que muita gente em crise acessou
a porta mais próxima, que era a do banheiro e se alojaram lá dentro. Vi pessoal
que trabalhava se escondendo até dentro de freezers! Quando vi que não tinha
mais jeito de sair pela saída principal dei a volta na areá vip e sai pela
lateral empurrando e pisando por cima de muita gente, acredito que não sairia
se não fosse pela força que utilizei para passar pelas pessoas, ao sair olhava
para baixo e via que pisava e cruzava por cima de mulheres e homens desmaiados.
Foi uma merda sair por uma porta de no máximo 2 metros e ainda com uma
mesa atravessada e todos aqueles corrimões atravessados no meio do caminho. Não
vi alarme soando, só grito, não vi luz de saída, só fumaça. Quando sai me
passou na cabeça as pessoas que passei por cima e voltei para retirá-las pois
não agüentava escutar berros, ver policias e bombeiros sem dar conta, porque
tinha muita gente empilhada. Quando entrei tinha que escolher quem salvar, mas
até aí não tinha passado na cabeça a MORTE.
Muita gente apavorada e nenhuma organização,
tivemos que levar muitas pessoas desmaiadas no colo até o topo daquela subida
para largar dentro de ambulâncias, uma estratégia deveria ser montada faltou
para aproximar atendimento das vítimas, mas não culpo porque mal cabiam duas
pessoas dentro de cada ambulância.
Sem ter saída para a fumaça e não podendo ver mais
ninguém para poder ajudar começamos a abrir um buraco na parede, arrancar
madeiras, grades, janelas destruíramos o isolamento acústico. Ao abrir o buraco
na parede para entrar no caixa e um bombeiro me convidou para entrar porque
sozinho não conseguiria tirar as pessoas. Entrei e pela primeira vez vi a morte
pessoalmente. Vibrava a cada pessoa que saia, mas eu via que nenhum estava com
vida. Vizinhos me molhavam e molhavam panos para que eu pudesse entrar mais
para o meio da boate, logo um enfermeiro do SAMU me pediu para sair lá de
dentro, pois tinha risco de desabar. Não acreditei e ele me mostrou que todos
que saiam daí para frente estavam mortos, mesmo assim voltei, peguei uma
lanterna com um policial e voltei para ver se alguém se mexia ou pedia socorro.
No primeiro momento que liguei e foquei a luz na área vip vi muitos corpos, não
sabia mais o que fazer, perdi forças porque vi gente pendurada em grades, vi
pessoas empilhadas uma por cima das outras e não era uma ou duas dezenas, era
muita gente.
Imagem que nunca apagarei da minha cabeça, não tive
força física para ficar ali e tive que sair derrotado de dentro daquele buraco,
não entendi a noção e o tamanho da tragédia. Vim abatido para casa, pois não
agüentava a dor nas pernas e na cabeça. Acordei agora ao meio dia com amigos
atrás de mim, liguei a tv e vi a relação de pessoas mortas.
Queria ter feito mais! Mas sei que tanto eu quanto
meus amigos e voluntários deram o máximo.
Agradeço a todos, pois são irmãos que abraçaram a
causa e davam sangue pelas vítimas”.
'Ezequiel Real'.
*Amanhecemos mais tristes hoje. A negligência e omissão
generalizadas nos levam a pensar em como podemos nós ver livres das tragédias
que ceifam a vida de centenas de jovens...o Brasil está de luto, por saber que
esses jovens não faziam mais que centenas de milhares faziam no dia de ontem,
se divertindo e "curtindo" ao que vemos, a irresponsabilidade dos
setores que devem nos proteger e fiscalizar como: Corpo de Bombeiros,
prefeituras, assim como a irresponsabilidade do proprietário do estabelecimento,
que proibiu a saída das pessoas sem pagar e os seguranças que acatarão as
ordens em não deixar ninguém sair sem o devido pagamento feito, em não possuir
plano de emergência. Nesse primeiro momento que nossos corações e mentes se
encontrem em uma grande corrente de orações para amparar as Vítimas e
familiares. E em segundo cobremos à Fiscalização efetiva por parte do poder
público, para o funcionamento Seguro das casas de Shows e boates.
BRASIL é o recordista mundial em mortes estúpidas em tempo de Paz:
jovens bêbados que morrem e matam no trânsito, acidentes com armas de
fogo, homicidios e latrocidios, mortes por irresponsabilidade na
fiscalização de boates e casas como essas, mortes por desnutrição pela
ineficácia do Governo e corrupções que também matam diriamente nos
hospitais por falta de atendimento adequado e por omissão, pelas
mulheres mortas, travestis e gays assassinados pelo preconceito.
Meu luto por todos esses que morrem todos os dias. JL
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