Quem me apresentou à expressão foi Fábio Júnior, o cantor. Ele tinha acabado
um casamento relâmpago de artista e sua explicação chegou aos jornais com
franqueza desconcertante: “A fila andou”. Por alguns segundos eu não entendi,
depois fiquei passado. Como alguém diz uma grosseria dessas? E a consideração
pela outra pessoa, não existe?
Isso faz tempo. Desde então, a expressão se banalizou. Toda mundo fala e
todo mundo escreve. Só nos últimos dias, deparei com “a fila anda” na
capa de uma revista e numa propaganda de perfume. A metáfora pegou e parece que
vai ficar no nosso vocabulário e no nosso comportamento: as filas andam mesmo,
de forma cada vez mais rápida. Ninguém quer ficar parado.
Antes de continuar, uma confissão: eu tenho dificuldade com esse tipo de
andamento. Para mim a fila anda bem devagarzinho, quando anda. Às vezes fica
parada por muitos anos, e é bom assim. Dá tempo de conversar, relaxar, ser
feliz. Ficar sozinho, sem fila nenhuma, é meio aflitivo, mas acontece – e de
vez em quando é necessário. Se você corre de uma fila para outra, ou fica
preocupado em manter cheia a sua fila, acaba entediado ou perdido ou meio
desesperado. Para mim não serve.
Apesar disso, reconheço virtudes na ideia de que a fila anda.
A primeira é lembrar a mim, a você e a todo mundo que os tempos do abuso
sentimental acabaram. Se você não tratar as pessoas direito, elas irão embora.
É simples assim. Todos têm opções e contam com o amparo das leis e dos costumes
para procurar o melhor para si mesmo. A oferta afetiva é enorme. Em toda parte
há gente disponível e atraente, de todos os tipos e de todas as idades. Saber
que a fila anda ajuda a prestar atenção na pessoa ao nosso lado. Quem gosta
cuida, diz o clichê. Mais do que nunca ele está certo.
Outra coisa positiva na expressão “a fila anda” é que ela nos põe de frente
com um aspecto inevitável da realidade: a transitoriedade de boa parte das
relações. A depender da nossa idade ou do meio em que a gente vive, a fila vai
andar mesmo, o tempo todo, goste-se ou não. Faz parte. Quando a gente é
adolescente, acha que o primeiro amor vai durar a vida toda. Não dura. O mesmo
acontece na juventude. A gente se apaixona, se desapaixona, dispensa, é
dispensado, sofre, faz sofrer. A fila anda da mesma forma que a vida anda – até
que algo importante a faça parar. O que há de errado nisso? Nada.
Mas há na nossa cultura sentimental um componente masoquista que não combina
com a simplicidade da fila que anda. Temos a expectativa equivocada de que
todas as emoções serão eternas. Quando as coisas acabam, nos despedaçamos. Em
vez de olhar para frente e tentar recomeçar, nos achamos no direito de empacar,
insistir, implorar, perseguir. Temos a vocação do melodrama. A dor inevitável
das rupturas é ampliada pela sensação de injustiça. Nos achamos vítimas do
outro, e há um prazer medonho em sentir-se assim.
Tem gente que acha isso natural, eu acho que é aprendido. Acho que de alguma
forma dizemos para as nossas crianças que amor é para sempre e que o fim de uma
paixão equivale ao fim do mundo. As músicas dizem isso, as novelas sugerem
isso. Há uma indústria cultural gigantesca que se alimenta da dor de cotovelo e
da sensação de abandono. A troca de parceiros e a experimentação da juventude,
que poderiam ser celebradas como bons momentos da vida, viram uma preparação
angustiada para o compromisso, a busca apressada do verdadeiro amor, um breve
período de promiscuidade que antecede a escolha definitiva.
Por trás da nossa atitude descolada, há expectativas que não são modernas nem liberais. Por isso nos apegamos a quem nos tiraniza (“ele me ama”) e desabamos quando a fila anda. Por isso queremos morrer. É claro que eu estou exagerando, mas não muito.
Por trás da nossa atitude descolada, há expectativas que não são modernas nem liberais. Por isso nos apegamos a quem nos tiraniza (“ele me ama”) e desabamos quando a fila anda. Por isso queremos morrer. É claro que eu estou exagerando, mas não muito.
Nossa breguice sentimental, que é o oposto da “fila anda”, leva a situações
esdrúxulas. Outro dia presenciei um amigo de 26 anos consolando um cara da
idade dele que falava em se matar por ter sido deixado pela namorada... Onde
ele aprendeu esse tipo de comportamento?
As pessoas não falam em se matar quando são reprovadas no vestibular ou demitidas de um emprego bacana, como acontece no Japão. Mas acham natural pensar essas bobagens depois de um pé na bunda. É isso que eu chamo de breguice - e não tem o menor cabimento.
Quando se considera isso tudo, não acho tão ruim dizer que “a fila anda”. A expressão pode denotar frieza e desrespeito pelos outros. Pode ser sinônimo de uma atitude egoísta e utilitária. Mas pode, também, sinalizar uma percepção saudável e corajosa das relações humanas. A fila anda, a gente avança e lá na frente descobre coisas melhores. Sempre de cabeça erguida. Melhor do que ficar choramingando, né?
As pessoas não falam em se matar quando são reprovadas no vestibular ou demitidas de um emprego bacana, como acontece no Japão. Mas acham natural pensar essas bobagens depois de um pé na bunda. É isso que eu chamo de breguice - e não tem o menor cabimento.
Quando se considera isso tudo, não acho tão ruim dizer que “a fila anda”. A expressão pode denotar frieza e desrespeito pelos outros. Pode ser sinônimo de uma atitude egoísta e utilitária. Mas pode, também, sinalizar uma percepção saudável e corajosa das relações humanas. A fila anda, a gente avança e lá na frente descobre coisas melhores. Sempre de cabeça erguida. Melhor do que ficar choramingando, né?
‘Ivan Martins’.
*Ainda bem que a fila anda... JL
Nenhum comentário:
Postar um comentário